A Brincadeira do Cavalo Marinho
Considerado uma dança dramática brasileira o Cavalo Marinho da Zona da Mata Norte de Pernambuco possui uma combinação básica de três elementos em sua representação: música, teatro e dança.
Por tradição a brincadeira popular do Cavalo Marinho acontece no ciclo natalino, e de modo geral se inicia ao anoitecer e vai até “quebrar a barra do dia” (o amanhecer). É brincado, na sua maioria, por trabalhadores agrícolas da Zona da Mata, principalmente da cultura açucareira.
O roteiro abaixo é um exemplo de uma das variantes possíveis da brincadeira.
Um grupo de Cavalo Marinho é formado, em média por 20 integrantes: quatro ou cinco músicos, o Mateus, a Catirina e o Bastião, o Mestre (ou Capitão Marinho), cinco Galantes, uma Dama, uma Pastorinha, um Arrelequim, e três Figureiros.
Os instrumentos usados são a rabeca (instrumento de corda friccionado por um arco, como o violino), o pandeiro, uma ou duas bajes (um reco-reco de taboca) e um mineiro (ganzá). Durante a brincadeira os músicos permanecem sentados num banco de madeira, na ordem em que foram apresentados os instrumentos acima. Esta formação recebe o nome de "Banco".
O público é quem delimita o espaço cênico da brincadeira, formando um círculo a partir do Banco. O espaço da encenação é chamado de “Roda do Cavalo Marinho”.
A dança do Cavalo Marinho caracteriza-se por pisadas fortes denominadas de “trupés” (passos), que marcam a célula rítmica da brincadeira. Dentre estes trupés temos o “Mergulhão” ou “Magúio”, um jogo-dançado que funciona como aquecimento para os brincantes e que, diferente dos demais “trupés soltos”, é executado a partir da forma circular (conforme o desenho acima). O mergulhão caracteriza-se pelo jogo rítmico entre os brincantes onde cada participante convida o outro ao desafio, desenvolvendo assim um jogo de prontidão e habilidades.
O enredo da brincadeira se desenvolve da seguinte maneira:
O Capitão Marinho (chamado também de Mestre da brincadeira), deseja dar uma festa em louvor aos Santos Reis do Oriente (Três Reis Magos). Ele já tem o "Banco" (músicos) e precisa de "figuras" (personagens) para desenvolver a brincadeira. Aparece então a primeira figura da noite, o "Seu Ambrósio", um “vendedor de figuras” que negocia com o Capitão as personagens que poderão surgir ao longo da brincadeira. Ele mostra cada uma delas através da imitação de suas corporeidades, ações físicas e “trupés” (passos de dança) específicos.
Fechado o negócio, “entram na roda” “Mateus” e “Bastião” (os “palhaços” da brincadeira). São contratados pelo Capitão para “cuidar” do terreiro, colocando ordem na brincadeira. São as únicas figuras que permanecem na representação desde sua entrada até o final da mesma.
O Capitão argumenta que vai viajar e deixa Mateus e Bastião encarregados de cuidar da ordem da brincadeira, o que, de fato eles não fazem. Entra então na roda o “Soldado da Gurita”, para prender os dois. Há uma encenação de luta (dançada) da prisão dos dois e a ordem é re-estabelecida. Sai o “Soldado” e Mateus e Bastião continuam na brincadeira.
Outras figuras vão surgindo na brincadeira, sempre anunciadas pelo Banco através de “toadas” (canções) específicas. De modo geral, entre cada uma das figuras que surgem, há um pequeno intervalo, preenchido por toadas e trupés, que são dançados pelos membros do grupo e pelo público.
O ápice da brincadeira é a encenação da volta do Capitão de sua longa viagem. Ele retorna com sua “Galantaria” (representando membros de sua família e/ou uma escolta de soldados).
Os Galantes, juntamente com o Capitão, realizam um baile em louvor aos Santos Reis do Oriente, através de várias evoluções coreográficas; algumas delas fazendo uso de arcos com fitas coloridas. Este é um momento de grande riqueza visual. As toadas e as “loas” (poesias) desta parte da brincadeira falam sobre o nascimento de Jesus Cristo, os Reis Magos, São Gonçalo do Amarante (santo casamenteiro), entre outros temas. Em dado momento, o Capitão surge montado em seu Cavalo, o Cavalo Marinho, e outras evoluções coreográficas são executadas em seqüência, juntamente com a Galantaria.
Terminada esta parte da brincadeira, começam a surgir as figuras da madrugada. Algumas delas são: “Ema”, “Véia-do-Bambú”, “Caboclo-de-Orubá”, “Pisa-Pilão”, “Babau”, “Onça”, “Burrinha”, “Mané-do-Motor”, “Mané-Taião”, “Mané-Chorão”, “Mestre -Domingos”, “Véio-Cacunda”, “Mané-Gostoso”, “Serrador”, “Margarida”, “Pataqueiro”, “Verdureiro”, entre outros.
A última encenação da noite é a que conta a morte e ressurreição do “Boi”. Nessa passagem da brincadeira, o Boi é morto por “Mateus” e “Bastião”; o Capitão manda chamar o “Doutor da Medicina”. O “Doutor” examina o Boi e conclui que não há salvação possível. Decide-se então por partilhar a carne do Boi. Logo após a partilha inicia-se uma seqüência de toadas para “levantar” o Boi, que ressuscita para a alegria de todos.
Por fim, todos formam uma grande roda no terreiro para cantar e dançar os Cocos de Despedida, terminando assim a brincadeira.
Alício Amaral e Juliana Pardo
Cia. Mundu Rodá